A imagem do inimigo na ditadura civil-militar brasileira: um lampejo de lucidez com Saramago

Autores

  • Gehad Marcon Bark Universidade Federal do Paraná

DOI:

https://doi.org/10.21119/anamps.62.471-493

Palavras-chave:

Atos Institucionais, ditadura, "Ensaio sobre a lucidez", inimigo, Lei de Segurança Nacional

Resumo

A proposta do artigo é, a partir dos fatos retratados em Ensaio sobre a lucidez, de José Saramago, refletir sobre a criminalização de condutas, durante a ditadura civil-militar brasileira, como instrumento para desconstruir a identidade do inimigo que, enquanto indivíduo indesejado por seu posicionamento em assuntos políticos, passa a ser alvo de perseguição. Por meio da análise de algumas das disposições dos cinco primeiros Atos Institucionais, editados entre 1964 e 1968, e do Decreto-Lei 898/69, conhecido como Lei de Segurança Nacional, a primeira parte do texto traça um breve panorama dos instrumentos normativos que ampararam o golpe e estavam à disposição das autoridades. Lastreada na singular descrição que Saramago faz os fatos ocorridos na Capital que acabou por ser assolada pela peste branca, a segunda seção do artigo se propõe a analisar criticamente de que maneira a desconstrução da identidade dos dissidentes políticos se presta à tarefa de anular e eliminar a figura daquele que é tomado simplesmente como o inimigo, e não mais como um indivíduo singular, detentor de uma identidade.

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Biografia do Autor

Gehad Marcon Bark, Universidade Federal do Paraná

Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná e Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, com especialização em Docência no Ensino Superior pela Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mestre e Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Paraná, na linha de pesquisa “Epistemologia e Metafísica”

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Publicado

2020-12-30

Como Citar

BARK, G. M. A imagem do inimigo na ditadura civil-militar brasileira: um lampejo de lucidez com Saramago. ANAMORPHOSIS - Revista Internacional de Direito e Literatura, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 471–493, 2020. DOI: 10.21119/anamps.62.471-493. Disponível em: https://periodicos.rdl.org.br/anamps/article/view/649. Acesso em: 21 nov. 2024.

Edição

Seção

Artigos