Premissas e perigos de um constitucionalismo distópico: reflexões à luz de Philip K. Dick

Autores

DOI:

https://doi.org/10.21119/anamps.61.101-124

Palavras-chave:

Distopia, constitucionalismo, paranoia, temporalidade, consequencialismo

Resumo

O artigo, valendo-se da metodologia do direito e literatura e baseando-se no ocaso das utopias contemporâneas, propõe analisar características pouco evidentes do constitucionalismo à luz de categorias literárias extraídas da narrativa distópica – em particular, do conto Minority report de Philip K. Dick. Aborda-se, assim, como a paranoia, subjetiva ou sistêmica, tem suscitado tanto decisões judiciais baseadas em pretensos desvelamentos de conspirações ilícitas, quanto soluções institucionais fundadas no uso prospectivo de processos de automação pretensamente neutros e eficazes. Discute-se, também, como a incorporação de uma concepção de tempo linear e direcional, com rígida demarcação entre passado, presente e futuro, cria guetos temporais, impõe um ritmo social hegemônico e frustra a própria vocação protetiva do constitucionalismo quanto aos projetos de vida de minorias vulneráveis. Reflete-se, ainda, sobre a fragilização da integridade argumentativa das decisões pela fundamentação consequencialista que, ao projetar um efeito futuro catastrófico para uma decisão possível, legitima, por si só, uma outra decisão em sentido contrário. Por fim, apresenta-se a conclusão, que indica a necessidade de superação do medo como afeto fundamental que sustenta o circuito institucional e social do poder.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Douglas Antônio Rocha Pinheiro, UnB - Universidade de Brasília

Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) e da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Doutor e Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB).

Referências

BEVERNAGE, Berber. The past is evil/evil is past: on retrospective politics, philosophy of history, and temporal manichaeism. History and Theory, Middletown, v. 54, p. 333-352, out. 2015.

BUDAKOV, Vesselin M. Dystopia: an earlier eighteenth-century use. Notes and Queries, Oxford, v. 57, n. 1, p. 86-88, mar. 2010.

BUDAKOV, Vesselin M. Cacotopia: an eighteenth-century appearance in News from the Dead (1715). Notes and Queries, Oxford, v. 58, n. 3, p. 391-394, set. 2011.

CASSATA, Francesco. Una teoria cospirazionista della storia: i “Protocolli dei Savi di Sion”. In: D’AMICO, Giovanna (org.). Razzismo, antisemitismo, negazionismo. Asti: Israt, 2007. P. 13-26.

CIUFFOLETTI, Zeffiro. Retorica del complotto. Milano: Il Saggiatore, 1993.

CONSULTOR JURÍDICO. OAB repudia “teoria da conspiração” criada pelo ministro do STF Gilmar Mendes. Disponível em: https://bit.ly/2MzcFYT. Acesso em: 10 out. 2019.

CORDERO, Franco. Guida alla procedure penale. Torino: UTET, 1986.

COVER, Robert. Nomos e narração. ANAMORPHOSIS ‒ Revista Internacional de Direito e Literatura, Porto Alegre, v. 2, n. 2, p. 187-268, dez. 2016.

CROCKER, Thomas P. Dystopian constitutionalism. Journal of Constitutional Law, Philadelphia, v. 18, n. 2, p. 593-655, dez. 2015.

DICK, Philip K. O relatório minoritário. In: DICK, Philip K. Realidades adaptadas: os contos de Philip K. Dick que inspiraram grandes sucessos do cinema. São Paulo: Aleph, 2012. P. 125-175.

DUNKER, Christian. Paranoia sistêmica. In: DUNKER, Christian. Reinvenção da intimidade: políticas do sofrimento cotidiano. São Paulo: Ubu, 2018. P. 158-160.

DRESSEL, Julia; FARID, Hany. The accuracy, fairness, and limits of predicting recidivism. Science Advances, Washington, D.C., v. 4, n. 1, p. eaao5580, jan. 2018.

DWORKIN, Ronald. De que maneira o direito se assemelha à literatura. In: DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. P. 217-250.

EDELMAN, Lee. No future: queer theory and the death drive. Durham: Duke UP, 2004.

FREEDMAN, Carl. Towards a theory of paranoia: the science fiction of Philip K. Dick. In: UMLAND, Samuel (Ed.). Philip K. Dick: contemporary critical interpretations. Westport, London: Greenwood, 1995. P. 7-17.

FREEMAN, Elizabeth. Time binds: queer temporalities, queer histories. Durham: Duke UP, 2010.

FREUD, Sigmund. Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranoia e no homossexualismo (1922). In: FREUD, Sigmund. Além do princípio de prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos (1920-1922). Rio de Janeiro: Imago, 1976. V. 18. P. 269-281.

FREUD, Sigmund. Introdução ao narcisimo (1914). In: FREUD, Sigmund. Obras completas (1914-1916). São Paulo: Companhia das Letras, 2010. V. 12. P. 13-51.

GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

GONZÁLEZ, José Calvo. A controvérsia fática: contribuição ao estudo da quaestio facti a partir de um enfoque narrativista do Direito. In: TRINDADE, André Karam; GUBERT, Roberta; COPETTI NETO, Alfredo (org.). Direito e Literatura: discurso, imaginário e normatividade. Porto Alegre: Núria Fabris, 2010. P. 237-268.

GONZÁLEZ, José Calvo. Teoría literaria del derecho. Derecho y literatura: intersecciones instrumental, estructural e institucional. In: ZAMORA, Jorge Luis Fabra; VAQUERO, Álvaro Núñez (org.). Enciclopedia de Filosofía y Teoría del Derecho: volumen uno. Ciudad de México: UNAM, 2015. P. 695-736.

GONZÁLEZ, José Calvo. Nada no direito é extraficcional (escritura, ficcionalidade e relato como ars iurium). In: TRINDADE, André Karam; KARAM, Henriete (org.). Por dentro da lei: direito, narrativa e ficção. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018, p. 13-32.

HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

KARAM, Henriete. Questões teóricas e metodológicas do direito na literatura: um percurso analítico-interpretativo a partir do conto Suje-se gordo!, de Machado de Assis. Direito GV, São Paulo, v. 13, n. 3, p. 827-865, set.-dez. 2017.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição semântica dos tempos históricos. 2.ª reimpr. Rio de Janeiro: Contraponto/Editora PUC-Rio, 2011.

KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre história. Rio de Janeiro: Contraponto/Editora PUC-Rio, 2014.

LACAN, Jacques. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (1953). In: LACAN, Jacques. Escritos. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. p. 101-187.

LACAN, Jacques. O estádio do espelho como formador da função do eu (1949). In: LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998a. P. 96-103.

LACAN, Jacques. A agressividadade em psicanálise (1948). In: LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998b. p. 104-126.

LACAN, Jacques. Formulações sobre a causalidade psíquica (1946). In: LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998c. p. 152-194.

LAGUERRE, Michel. Urban multiculturalism and globalization in New York City: an analysis of diasporic temporalities. New York: Palgrave Macmillan, 2003.

LANCI, Yari. Remember tomorrow: biopolitics of time in the early works of Philip K. Dick. In: DUNST, Alexander; SCHLENSAG, Stefan (Ed.). The world according to Philip K. Dick. Basingstoke, New York: Palgrave Macmillan, 2015. p. 100-116.

LEVITAS, Ruth. Utopia as method: the imaginary reconstitution of society. Basingstoke, New York: Palgrave Macmillan, 2013.

MOYLAN, Tom. Scraps of the untainted sky: science fiction, utopia, dystopia. Boulder: Westview Press, 2000.

NILES, Mark C. Preempting justice: “precrime” in fiction and in fact. Seattle Journal for Social Justice, Seattle, v. 9, n. 1, p. 275-317, fall/winter 2010.

OGLE, Vanessa. Whose time is it? The pluralization of time and the global condition, 1870s–1940s. The American Historical Review, Oxford, v. 118, n. 5, p. 1376-1402, dez. 2013.

OST, François. O tempo do direito. Bauru: Edusc, 2005.

PARGENDLER, Mariana; SALAMA, Bruno Meyerhof. Direito e consequência no Brasil: em busca de um discurso sobre o método. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 262, p. 95-144, jan. 2013.

ROSA, Hartmut. Social acceleration: ethical and political consequences of a desynchronized high-speed society. In: ROSA, Hartmut; SCHEUERMAN, William (Ed.). High-speed society: social acceleration, power, and modernity. University Park: Penn State UP, 2009. p. 77-111.

SAFATLE, Vladimir. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

SARGENT, Lyman Tower. The three faces of utopianism revisited. Utopian Studies, University Park, v. 5, n. 1, p. 1-37, 1994.

SCHEPPELE, Kim Lane. Aspirational and aversive constitutionalism: the case for studying cross-constitutional influence through negative models. International Journal of Constitutional Law, Oxford, v. 1, n. 2, p. 296-324, abr. 2003.

SCHRAM, Sanford. The return of ordinary capitalism: neoliberalism, precarity, occupy. New York: Oxford UP, 2015.

SCHUARTZ, Luis Fernando. Consequencialismo jurídico, racionalidade decisória e malandragem. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 248, p. 130-158, maio 2008.

TRAVERSO, Enzo. A melancolia de esquerda: marxismo, história e memória. Belo Horizonte, Veneza: Âyiné, 2018.

UMLAND, Samuel. Introduction. In: UMLAND, Samuel (Ed.). Philip K. Dick: contemporary critical interpretations. Westport, London: Greenwood, 1995. p. 1-6.

WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2018.

WHITE, James Boyd. The legal imagination: abridged edition. Chicago, London: The University of Chicago Press, 1985 [1973].

Publicado

2020-06-28

Como Citar

PINHEIRO, D. A. R. Premissas e perigos de um constitucionalismo distópico: reflexões à luz de Philip K. Dick. ANAMORPHOSIS - Revista Internacional de Direito e Literatura, Porto Alegre, v. 6, n. 1, p. 101–124, 2020. DOI: 10.21119/anamps.61.101-124. Disponível em: https://periodicos.rdl.org.br/anamps/article/view/638. Acesso em: 22 out. 2024.

Edição

Seção

Artigos